quarta-feira, março 15, 2006

Esse senhor que é meu avô

Há pelo menos dez anos eu não falava com ele. Ouvia, às vezes, algumas notícias, com disfarçada indiferença. Eis que nesse último final de semana, num surto de loucura, uma vontade alucinada de viajar o mundo, decidi correr atrás da cidadania italiana.

Ignorei minha timidez, arranjei o número, meia hora pra tomar coragem na frente do telefone... e liguei para meu avô.

Sim, eu sou romântica. Tive que conter as lágrimas ao imaginar a vida italiana de meus antepassados a cada nova palavra do pacato senhor.

Não foi exatamente no momento em que eu desliguei, mas algum tempo depois que começou a bater a angústia.

Foi num pôr-do-sol do Leblon, véspera de Natal, que ele abdicou à função de pai. Sob olhares apavorados e choro desesperado de minha avó, ele fechou o vidro do carro e arrancou com a piranha, como se não importasse família, amor ou filhos.

Mais tarde, iria enfatizar o abandono, esquecendo literalmente o filho mais velho, que, por pena, amor ou sabe-se lá o motivo, escolheu a companhia do pai perante a família.

Ouvi muitas vezes essa história, mas nunca pude entender ou até mesmo acreditar no que me era contado. Mas foi depois de ouvir aquela voz perguntar, completamente indiferente, apenas por educação, sobre seu filho, é que senti o que é não ter um pai.

Eu, que tento ser tolerante, recusar tabus, fiquei realmente consternada com o egoísmo e individualismo daquele senhor. Tive raiva, ódio, vontade de xingar, berrar.

Mas apesar da sua enorme apatia, confesso que sinto uma vontade louca de ouvir o que ele tem pra dizer, de conhecer aquele sujeito que nunca dedicou um minuto da sua existência a pensar no buraco que deixou. O que faz um homem largar a família daquela maneira? O que faz uma pessoa assumir para o mundo que não tem o menor interesse sobre a vida de seus filhos?

Entendi tudo.

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