quinta-feira, maio 06, 2010

Medíocre



Ela jura que não é hipocondríaca. Além do anticoncepcional e do antidepressivo que toma todo dia, não sai de casa sem sua farmacinha básica. Remédio pra dor de cabeça, costas, gases, cólica, alergia, enjôo e um tarja preta pro caso de tristeza emergencial. Praticidade, nada mais.

Assim como as várias carteiras e nécessaires dentro da bolsa. Uma de pano só para cheques e cartões fidelidade (quantos!). Numa outra, toda lindinha, vai dinheiro, cartões de crédito e documentos. Moedas têm seu próprio compartimento, e por aí vai, muitas bolsinhas, tranqueiras mil. Tudo muito prático, muito organizado. Agora experimente pegar 10 pilas. Já sabe onde vai procurar primeiro?

Sua maior loucura é a estante com os livros. Vez por outra passa, olha, volta. Fica absurdamente indignada quando uma visita insensível entra na casa e ignora essa biblioteca tão linda e colorida, não comenta um livrinho sequer. Mas ok, entende que existem pessoas frias e sem coração. Como aquelas que não devolvem seus livros mais amados. Até hoje chora pelo seu livro preferido, “Quando me tornei Estúpido”, que foi e não voltou. E sorri contente sempre que um amigo assina com um comentário um livro seu que pegou emprestado, uma prática que inventou e segue como tradição milenar.

Anda pela casa e vê objetos que comprou nas viagens com o marido. Um telefone vermelho antigo, uma máquina lomográfica, um cofrinho bizarro. Lembra que ela sempre dá preferência para as coisas práticas, úteis, e ele quer o lado lúdico, a beleza. E foi numa dessas que decidiram comprar em Copenhagen uma cortina estilo anos 70 que lembrava muito a amada Berlim. O excesso de peso não foi problema. Quem traria um gato persa da Europa certamente não se incomodaria de trazer mais uma cortina, não é mesmo? E assim vieram, com um gato dopado, o único da família detentor do tão sonhado passaporte europeu, duas malas gigantes e duas mochilas bastante estufadas. Ainda despacharam umas duas malas pelo correio. Não é todo dia que se mora na Europa, e eles são bons nisso de aproveitar (e gastar) tudo o que podem.

Ela tem um carrinho prata que acha fofo e muito queridinho. Assim mesmo, coisa de mulherzinha. Mas a limpeza nunca está à altura destes elogios. Não que seja suja, que não ame ver seu carro limpinho e sem lixos espalhados pelo chão. Mas alguma mania idiota dessas que ela inventa a impede que passe numa lavação e faça o serviço rapidinho.

O iPhone já se incorporou à sua vida. Como trabalha fora de casa, precisa estar sempre atenta aos e-mails. Especialmente pra dar vazão à outra pequena mania: seu pavor, seu pânico, sua total aversão a falar no telefone. É assim, simplesmente congela, não sabe o que falar, não sabe o que decidir. Então responde rapidinho o e-mail e evita vários telefonemas. Topa pedir uma pizza, até aí tudo bem. Mas quando um amigo liga e pergunta o que está fazendo, pifa.

Seu computador é organizado do seu jeito, aquela coisa meio maluca estilo as bolsinhas dentro da bolsa. Tudo é muito controlado, muito arrumado, de um jeito próprio que só ela sabe conduzir. Assim consegue lidar com a grande bagunça interna, com tudo o que vai e volta, com tanta informação e pensamento, tantas manias e loucuras, tantos altos e baixos que vem e vão, tantas críticas a si mesma e a sensação de estar sempre sendo observada.

E o pior desses olhares, com certeza o mais rígido, como você pode notar, é o dela.