quarta-feira, abril 19, 2006

Só, e em boa companhia

(Mais um texto antigo, da época que eu escrevia no Funclube da Imaginarium)

Não tinha mais cara pra chegar sozinha nas festas da família e ser chamada de solteirona, então resolveu arranjar um acompanhante, um alguém. Agora jamais faltaria carona, poderia comparecer aos jantares de casaizinhos que as amigas combinavam, tinha alguém pra dividir o sofá nos domingos chuvosos...

- Querida, você me ama?
- Aaaaaai, já respondi isso na semana passada! Será que dava pra eu terminar a minha Caras em paz? Hum... esse vestido de casamento da Angélica é tudo!

As festas de família, antes engraçados encontros com tios e primos distantes, viraram um suplício. O babão passa a noite elogiando a mais chata das tias, e mesmo em casa ela não tem mais empolgação pra responder aos telefonemas do grude. Mas vai levando. É tão chato sair sozinha!

Janeiro, segunda, terça, quarta, fevereiro, quinta, sexta, agosto, sábado, domingo, novembro...

Sol lá fora, amigas na praia, gargalhadas e encontros inesperados acompanhados de falsidade, ressacas e bebuns desesperados por sexo. Guerrilha urbana. Invadir territórios e mostrar poder sobre as pessoas, várias. Uma pra cada noite, uma pra cada ocasião.

Ela em casa, com medo de enfrentar o bombardeio.

Foi numa noite chuvosa, um daqueles dias que poucos se animam pra sair. O telefone soa, mais alto que o ronco do namorado. As amigas são firmes: é hoje, não tem jeito. Ela retruca, já está de pijama, mas ouve a buzina lá fora e sente quem não tem pra onde fugir.

Coloca uma calça, desanima notando que não fecha. Coloca outra, desempolgada. Escolhe uma blusa, dá uma conferida no espelho. Depois da maquiagem sente que está linda, e que se danem as gordurinhas!

Gargalhadas, fofocas, histórias engraçadas... e um garoto maravilhoso. Beijos, amassos, risadas tímidas e uma ânsia alucinada por liberdade.

Madrugada chega em casa, toma banho e acorda sentindo beijinhos estalados. Finge que dorme, mas consegue abrir os olhos pra sussurar: "querido, te amo". E acorda pra mais uma festa de família.

Bocejo com ninices

No filme Waking Life, os personagens contam que a partir de um momento em que um problema é solucionado em um lugar, existe alguma “força” que faz com que essa informação seja assimilada em outros lugares, por diferentes pessoas. Um exemplo beeeeem tosco: lançam um desafio pela Internet, e muitos tentam resolver. A princípio, o jogo é mais difícil, mas na medida que mais pessoas conseguem resolver, ele se torna mais fácil para todos.

Da mesma forma, Jung criou o conceito de inconsciente coletivo, que é a herança psíquica que todo ser humano recebe em sua constituição. Esta herança é constituída por predisposições que condicionam o ato da percepção de símbolos e mais tarde, a estrutura afetiva e a estrutura do pensamento.

Tudo isso tem a ver com o Zeitgeist da época, o espírito intelectual de um momento, que exerce grande influência sobre as produções de determinados períodos. (Anota aí essa palavra, agora que você ouviu, pode ter certeza que vai notar em vários textos). A aceitação de uma idéia pode ser limitada pelo padrão dominante de pensamento de uma cultura, de uma região ou de uma época, mas uma idéia muito nova para ser aceita num período, pode ser entendida facilmente uma geração depois. Entendeu? Por isso, em um momento, a idéia de que a terra girava em torno do sol era considerada heresia, mas em outro momento ficou claro que era o correto.

E pra completar, tudo isso tem a ver com a teoria do caos: aquela famosa frase da borboleta bate asas na China e causa um furacão na América.

O que eu entendo de tudo isso é que tudo tem relação com tudo, e existe uma “força” agindo sobre a gente o tempo todo.

Tudo isso pra dizer que, sim, eu acredito que existe um “inconsciente” presente numa sala que faz duas pessoas bocejarem juntas sem saber.